Já foi loira, morena, magra, musculada, anjo e
demónio. Estávamos a 15 de Agosto de 2004 e a “rainha da pop” apagava 46 velas,
a 16 de Agosto. Esteve em Portugal a 13 e a 14 de Setembro do mesmo ano.
Madonna Louise Veronica Ciccone chegou a Nova Iorque
em 1977. Figura franzina, baixinha e de tez muito branca, era apenas uma entre
os milhares de anónimas adolescentes que ano após ano aterram ali,
desamparadas, à caça da oportunidade das suas vidas. Na bagagem escondia uns
míseros 35 dólares e um sonho antigo: ser bailarina numa grande companhia.
A metrópole fervilhante de cultura parecia-lhe o
local ideal para potenciar a veia artística, mas os primeiros tempos foram
difíceis para a miúda de 19 anos com jeito para rodopiar nos palcos. As breves
passagens pelas universidades do Michigan e da Carolina do Norte, onde além de
ter pertencido à claque de futebol americano estudou dança e drama, acabaram
por valer-lhe de pouco em termos profissionais. A “cidade que nunca dorme”
revelava-se um espaço cruel, onde se luta até à exaustão para conseguir um
lugar ao sol.
Madonna sentiu isso na pele. Para pagar as aulas com
o conceituado coreógrafo Alvin Alley aceitou pousar nua várias vezes. As fotos,
que se ela não tornasse famosa jamais teriam sido reveladas, foram editadas
mais tarde nas revistas de grande tiragem destinadas a adultos. Imagens de 1978
e 79 registadas por fotógrafos até então desconhecidos, como Lee Friedlander,
Bill Stone ou Martin Schreiber, pintaram em meados dos anos 80 as páginas da
“Playboy” e da “Penthouse”, revelando a fórmula para amealhar uns trocos sem
esforço durante os “verdes anos”. Com pouco valor artístico, deixam
transparecer uma evidência: Madonna nasceu com o cabelo loiro oxigenado de
quando saltou para a ribalta.
Dois anos de estadia nova-iorquina foram suficientes
para Madonna fazer um interregno na estadia e partir rumo a nova aventura: uma
viagem até França, onde colaborou no espectáculo de cantor Patrick Hernandez.
Conheceu nessa acasião Dan Gilroy, com quem de regresso à Big Apple acabou por formar os Breakfast
Club.
A primeira experiência musical aconteceu atrás dos
pratos da bateria, mas os ritmos não eram com ela, que depressa se apoderou da
parte vocal da banda. Foi o passo inicial rumo à criação dos Emmy – era a sua
alcunha na altura - , corria o ano de 1980. O namorado, Steve Bray, estava no
grupo, que nunca granjeou muitos aplausos.
Dos Clubes para os Estádios A segunda passagem por
Nova Iorque marcou o fim da curta carreira de Madonna no ballet – relegado para
segundo plano -,mas deixou cicatrizes. Hoje, quando a questionam sobre o que
faz melhor, afirma: “Na verdade acho que sou acima de tudo uma dançarina muito
boa. E também consigo farejar talentos.”
Madonna e Steve Bray começaram a gravar temas “disco
sound”, acabando por assinar contrato com a Sire Records. Em 1982, a cantora
lançou-se mais longe, valendo-se da preciosa ajuda do Dj Mark Kamins para
produzir “Everybody”, êxito nos clubes de dança nova-iorquinos.
A aliança a tal estilo foi sol de pouca dura. Sempre
a pensar em subir a escadaria da fama em tempo recorde, Madonna apercebeu-se de
que a pop estava na berra – então mais “kitsch” do que nunca -, e utilizou
“Holiday” para ditar a viragem ao gosto do grande público. A estratégia deu os seus
frutos, o tema atingiu o Top 20 norte americano no final de 1983, e meses
depois, “like a virgen” empurrava-a em definitivo para o estrelato. Seguiu-se
“Material Girl” e o consolidar da trajectória vitoriosa, com a indumentária ao
estilo “Marylin-Monroe conhece Fátima Lopes e nunca mais quer outros trapos a
incendiar os telediscos.
A partir de então, avida da menina nascida a 16 de
Agosto de 1958 em Bay City, no Michigan, que aos seis anos perdera a mãe, vítima de cancro na mama, não voltou a
ser a mesma.
Quando em 1985 Madonna esteve no “Live Aid”,
provavelmente o mais famoso festival de música de todos os tempos, e espalhou
energia pelo palco, a sua imagem já corria o planeta. E mais conhecida ficou
depois de dar o nó com o actor Sean Penn. Idolatrada pela população
adolescente, símbolo da geração independente e despreocupada, Madonna
tornara-se numa máquina de fazer dinheiro, ao gosto da indústria musical.
Entre 1985 e 87 somou sucessos e iniciou uma carreira
de atriz. Com uma pequena mancha no currículo: antes da participação no muito
aclamado “Desesperadamente Procurando Susana” tinha entrado num filme de série
B, “ A Certain Sacrifice”, mau demais para que alguém reparasse no seu talento.
A colaboração com o marido em “Shangai Surprise”
ditou o fim da relação, em 1988, ano em que apareceu na Broadway com um papel
na peça “ Speed the Plow”, de David Mamet.
Sempre polémica, um ano mais tarde Madonna andou nas
bocas do mundo com a maior de todas as controvérsias: o teledisco de “Like a
Prayer”, onde religião e erotismo andavam de braço dado. O Vaticano chegou a
condená-la por blasfémia e a Pepsi cancelou o acordo publicitário devido à
polémica, mas a história fez do disco um sucesso global.
O Sexo Vende À entrada para a década de 90 Madonna
estava imparável, a máquina publicitária que a rodeava tinha cada vez maior
dimensão e a descoberta de que o sexo vende, e muito, ditou uma nova fase:
tornar tudo ainda mais picante. Nos palcos, a extravagância da “Blond Ambition
Tour” mostrava em definitivo Madonna como um ícone sexual, sempre preparada
para provocar e indignar os espíritos puritanos.
Quando em 1992 assinou um milionário contrato com a
Time-Warner, a fama de mulher de negócios implacável confirmou-se. O acordo
deu-lhe total liberdade para controlar cada aspecto da carreira, editando
álbuns, filmes e livros com o selo da sua produtora, a Maverick.
A primeira marca visível de que estava livre de
amarras apareceu em livro. Na publicação de “Sex” .
Escaldante, a roçar o pornográfico, a obra revelou-se
um “bestseller” sem precedentes. Na música, seguiu idêntica estratégia e
colocou nas lojas o álbum “Erótica”, acompanhado de telediscos onde as orgias,
a bissexualidade e a dominação extrema se misturavam para atingir um nível
nunca antes visto numa artista tão conceituada.
Até 1995, a exploração do corpo enquanto objecto de
desejo entreteve Madonna num jogo libidinoso que parecia não querer largar: Mas
de repente algo mudou, sem arrependimentos:
“Tudo o que fiz foi por mim, para me libertar. Os
tempos mudam e eu mudei com eles”, diz a cantora sobre a passagem para uma fase
mais calma da sua vida.
O demónio deu lugar ao anjo, com o inesperado
exorcismo a aparecer através da personagem de Eva Peron, encarnada em “Evita”,
nas salas de cinema em 1996. A cantora passou então a ser fanática pelo
desporto, deixou as noites loucas e começou a dedicar-se a outras filosofias e
religiões – vai investir mais de 18 milhões de euros na criação de uma escola
de ensinamentos judaicos para crianças, em Nova Iorque.
A 14 de Outubro desse ano assentou de vez ao dar à luz uma menina, Lourdes Maria
Ciccone Leon, fruto da ligação com um treinador pessoal. A experiencia da
maternidade acabou por transformá-la numa pessoa serena e madura. O regresso à
música em 1998, com “ Ray of Light”, foi a prova da mudança de comportamento e
da linha sonora.
Desde então, Madonna compôs temas para filmes, lançou
dois álbuns e foi novamente mãe: Rocco, o seu segundo rebento, é fruto da
ligação com o realizador Guy Ritchie, com o qual está casada desde 22 de
Dezembro de 2000.
Sempre surpreendente, apaga amanhã 46 velas. Faltará
menos de um mês para vir a Portugal com a “Re-Invention Tour”. O Pavilhão
Atlântico espera por ela… duas vezes esgotado. Para cantar os parabéns à
verdadeira “Rainha da Pop”.